terça-feira, 25 de março de 2014

A verdade da realidade: Os anos de Chumbo no Brasil

O conceito de Verdade não é um problema dado. Ele está sempre aí, nas nossas relações com o outro, com os objetos, e com nós mesmos. A Verdade pode traduzir-se em liberdade quando somos colocados frente a uma situação real e, por mero exercício de consciência, quase que instintivamente, temos a capacidade de harmonizar nossas vontades íntimas com as limitações do meio externo, necessárias para a nossa vida em sociedade. A verdade ganha força, se mostra clara e reluzente quanto maior a autonomia do ser humano em agir segundo seus princípios, em transitar pelas terras que escolher e em se manifestar utilizando a linguagem que melhor lhe couber. No entanto, a Verdade forjada pode também aprisionar, dilacerar, nos tornar reféns. A Verdade declarada, manipulada e reduzida a uma só voz, no seio da injustiça e da opressão, se torna o pior algoz do homem. Transforma-se em Mentira…

O povo brasileiro possui um passado marcado por sucessivas violações de direitos humanos. Desde a chegada de nossos colonizadores, dizimando a população indígena, passando pela escravidão de nossos irmãos diretos afrodescendentes e desembocando numa ditadura civil-militar, o brasileiro vem lutando às duras penas. Luta para comer, para morar, para se manifestar. E, quando suas forças quase se exaurem, ele resiste. A História e suas Verdades factuais estiveram escondidas nos porões escuros da ditadura, mas também resistiram ao silêncio a que foram submetidas por anos. Hoje, irrompem no ar as vozes eloquentes de quem sofreu na pele os horrores da repressão política. Estamos vivendo o renascimento da verdade através do processo árduo e dolorido de lavar as feridas, contar e identificar quem feriu, num processo de passar a história a limpo: Sim, o Estado oprimiu! O Estado violou! O Estado torturou! O Estado matou!

O sonho de realizar um Estado Democrático de Direito sempre está presente naqueles que direcionam suas vidas pessoais e profissionais no sentido de uma sociedade mais justa e mais próxima do ideal de igualdade social. As tiranias e as ditaduras nunca foram o desejo da maioria brasileira, nunca. Somos um povo que deseja saúde, educação e emprego para todos, sem distinção. Almejamos uma nação livre e democrática. Os anos de chumbo nos retiraram esta possibilidade de escolha, nos lançaram num território onde a diversidade de opiniões era incutido massivamente nos espíritos como algo perigoso. Para manter o poderio de uns poucos, as mais diversas perversidades foram cometidas. Vidas foram interrompidas e famílias desintegradas. A ordem era: eliminar os que se opunham à ordem estabelecida. E agora, povo brasileiro? O que fazer? A resposta veio imediatamente: Lutar e resistir! Ninguém pode mudar o que aconteceu. Tudo vem à tona. A memória da resistência ao golpe militar e ao Estado opressor é a Verdade invencível e um legado precioso para nossas próximas gerações.

Mariana Barros
Advogada do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Petrópolis