Sônia Paiva
Professora de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiatria da
FMP/Fase
O início do ano serve como
convite à reflexão sobre nossa saúde mental e o quanto negligenciamos o próprio
bem-estar, na batalha diária pela sobrevivência. Com tantas notícias sobre
violência, nos bairros e no trânsito, e novos casos de febre amarela, parece
bobagem falar de problemas pessoais. Mas, se pararmos para pensar, veremos que,
quando a cabeça não vai bem, tudo tende a ficar mais difícil.
A Organização Mundial de
Saúde (OMS) definiu, em 1948, saúde como completo bem-estar físico, mental e
social e não somente a ausência de doença. Apesar de parecer um conceito
utópico, nos dias atuais constatamos a falta de saúde por termos talvez negligenciado
este conceito, dando durante muitos anos ênfase às doenças do corpo. Na ótica
da doença, o campo da psiquiatria por muitos anos se limitou às patologias,
isolando para tratamento, surgindo os manicômios, onde o isolamento, a exclusão
social e alienação perpetuaram por muitos anos.
No início da década de 90,
com a Declaração de Caracas, marco dos processos de reforma da assistência em
Saúde Mental nas Américas, vinculou-se a atenção psiquiátrica à atenção
primária em saúde. No Brasil, em 1992 foram normatizadas as ações de saúde
mental, definindo as normas para o atendimento ambulatorial e hospitalar.
A Lei 10.216/01, marco legal
da Reforma Psiquiátrica Brasileira, garante à população assistência integral
nos serviços públicos de saúde sem qualquer tipo de exclusão. No vácuo de
propostas concretas de bases territoriais, somente em 2002 se estabelece a
construção de novos serviços públicos de saúde mental, elegendo os Centros de
Atenção Psicossociais (Caps) como o dispositivo para atendimento às pessoas em
sofrimento psíquico, tendo ainda como atribuições as ações de prevenção e
promoção em saúde mental.
Falar sobre saúde mental é
prevenir o surgimento de doenças mentais, minimizar o sofrimento humano, dentre eles o dano causado
pelo preconceito e exclusão. É preciso debater o assunto, ouvir com atenção os
pacientes, e especialistas e ter gestores comprometidos com a causa. Só assim
poderemos definir onde nossos serviços públicos de saúde estão falhando.
Defender o que pode ser melhorado, além do maior acesso da população a serviços
de qualidade, é um dever de todos: cidadãos, profissionais de saúde e gestores.
Só assim estaremos contribuindo efetivamente para um Sistema de Saúde equânime,
integral e universal.
Infelizmente, ainda é cruel
a realidade vivida pela saúde mental. A OMS estima que até 2020 75% da
população brasileira sofrerá algum tipo de transtorno mental. Os serviços estão
ameaçados por conta de falta de equipamentos, com profissionais tendo
sobrecarga de trabalho por conta do déficit de dimensionamento. Aumenta a cada
dia a demanda de usuários que necessitam de atendimento. Falta de insumos e
medicamentos afetam não somente os pacientes, mas todos os profissionais
comprometidos com a melhoria da qualidade de vida da população. A falta de
repasse de recursos e a atual gestão do Ministério da Saúde tem abalado
severamente o futuro da assistência de saúde mental. É preciso não se
conformar, dizer não à exclusão e gritar, manicômios nunca mais!
Como o carnaval está
chegando, vale prestar atenção ao recado de um bloco carnavalesco original: o
Tá Pirando, Pirado, Pirou! O bloco foi fundado em dezembro de 2004, no
Instituto Municipal Philippe Pinel com base na premissa de um folião: “Não
vamos fazer carnaval só para quem está aqui dentro, e já pirou, vamos para rua
brincar com quem tá pirando...Tá pirado, pirou!”.
O décimo quarto desfile do
grupo, no dia 4, na Urca, no Rio, lembrará que, em 2017, comemoramos 30 anos do
Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Defenderá a reforma psiquiátrica e o
SUS dos ataques que sofre, bem como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Vale registrar que, por falta de recursos, há Caps ameaçados de fechamento.
“Nenhum passo atrás, nenhum
serviço de saúde a menos, manicômio nunca mais! Que a força da imaginação de
Dona Ivone Lara esteja conosco e nos inspire nesta luta”, diz o manifesto do
bloco, cujo enredo será “Foram me chamar! Eu estou aqui, na luta, na lida, no
samba. Salve Dona Ivone Lara!” Para quem não sabe, a primeira-dama do samba, de
96 anos, se formou enfermeira, pela Faculdade de Enfermagem do Rio de Janeiro, atual
Unirio, e depois em assistente social, com especialização em terapia
ocupacional, atuando na saúde mental.
Durante 38 anos, ela
trabalhou no antigo Centro Psiquiátrico Pedro II até se aposentar, em 1977. Em
2011 foi homenageada na Assembleia Legislativa como madrinha da Enfermagem,
contando com a participação do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de
Janeiro (Coren-RJ). Na ocasião, relembrou que, na década de 40, a Enfermagem
abandonou a unidade em sinal de protesto contra as condições de trabalho e os
salários, mas que percebeu que os únicos prejudicados seriam os doentes. Assim
retornaram ao trabalho, foram punidos e tiveram descontados os dias que ficaram
parados. Dona Ivone integrou a equipe de monitores da Dra. Nise da Silveira.
Promovia oficinas de música e buscava localizar familiares dos internos para
tentar restabelecer laços familiares.
Sem dúvida, é uma merecedora
de tantas homenagens e um bom exemplo para os futuros profissionais. Diversas
instituições de ensino de Enfermagem a têm como musa inspiradora. Na Faculdade
de Enfermagem Arthur Sá Earp Neto (FMP/Fase), em Petrópolis, formamos
enfermeiros comprometidos com a saúde mental, despertando nos alunos a visão
crítica e construtiva para atuarem com criatividade desde a prevenção até a
reabilitação, livres de exclusão, pautados na ética, conhecimento científico e
solidariedade. Os alunos também desenvolvem ações de promoção em saúde nas escolas.
Podemos dizer que estamos aqui na luta e que somos pirados pela saúde mental!