Virgínia Ferreira
Psicanalista e professora da
Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/Fase)
O ser humano, via de regra,
é influenciado por dois extremos: a esperança e os fantasmas. Ambos fazem de
nossas mentes um jogo de tensões. Ora um vai a nocaute, ora é o outro. É uma
luta diária. Ao acordar, consciente ou inconscientemente, temos a esperança de
que o dia será bom e que terminaremos o mesmo e que, amanhã, será outro. Há
três esperanças nessa afirmativa: o dia não será ruim, que não morreremos, pelo
menos nesse dia, e que veremos e viveremos um outro. Assim seguimos. Tentando
não dar ibope para os fantasmas e tentando dar mais espaço e robustez às nossas
esperanças.
Entretanto, diante da aridez
e da inexorabilidade da realidade, nossas esperanças perdem a força e desabam
diante de nossos fantasmas. Como manter a esperança de vida frente à quantidade
e diversidade de mortes no Rio de Janeiro? Como manter a esperança de uma
sociedade mais justa, com toda corrupção que assola o Estado brasileiro? Como
manter a esperança na construção de uma sociedade melhor, frente ao caos que
está a educação no Brasil? Como manter a esperança numa conquista da seleção de
futebol na próxima Copa do Mundo, se a seleção brasileira perdeu a última por
nada menos do que 7 a 1 para a Alemanha? Como manter a esperança diante de
tantos fatos que nos lançam no risco de uma eminente morte física, moral,
social, esportiva...?
Certamente, nossa esperança
não é como gato, que dizem ter sete vidas. Caso assim fosse, já teríamos
enlouquecido. Nossa esperança tem centenas de vidas. Ressurge das cinzas.
Talvez esse seja pontualmente o problema. Ter esperança é esperar, e quem
espera não age. É exatamente nesse esperar que os fantasmas irrompem e crescem
e, quanto mais eles crescem, mais nos atormentam, podendo até nos paralisar.
Não devemos ter esperança, devemos agir.
Quanta coisa podemos mudar
com nossas ações? Me apresso em responder: inúmeras. Por exemplo, podemos mudar
esse estado de caos que está o Brasil em termos de educação, saúde, segurança e
política. Para tanto, basta votarmos de forma consciente, não pensando em
benefícios individuais e imediatistas, mas sim nos coletivos, e a médio ou
longo prazo. Precisamos aprender a agir, quando a mudança da situação está ao
nosso alcance e a apenas esperar, quando nada podemos fazer. Quanto mais
agirmos em prol de uma causa, menos damos espaço ao fantasma. Onde há ação o
imaginário se encolhe e os fantasmas empalidecem. Onde somos impotentes, ou
seja, onde não podemos agir, tudo o que nos resta é esperar. E os fantasmas?
Eles aparecem.
O que podemos fazer diante
do desempenho da seleção brasileira? Nada além de esperar e torcer, apesar do robusto
fantasma dos 7 a 1 para o time da Alemanha. Mas esse fantasma em nada muda
nossa realidade, nosso cotidiano. Não nos adoece nem nos faz mais saudáveis;
não nos deixa mais ricos ou mais pobres; não faz de nós pessoas mais morais ou
imorais. Aliás, deveríamos nos perguntar por que o desempenho da seleção é tão
importante para a sociedade brasileira, quando atravessamos tantas intempéries
e incertezas. Não sei se o que me assombra é a sociedade ver como um grande fantasma
os 7 a 1, refletindo a importância que o povo atribui a uma seleção de futebol,
ou se é o fantasma de que a seleção de futebol masculina é a possibilidade de
alegria e vitória do povo.
Enquanto estivermos no
tatame de tudo aquilo que está sob a vontade e mãos alheias, daremos muito mais
chances aos fantasmas. Que nossas chances de alegrias e vitórias estejam em
nossas mãos, dependendo apenas de nossas ações. Definitivamente, o sucesso ou
fracasso da seleção brasileira de futebol não está dentro de nosso alcance.
Está sim dentro da vontade e do alcance dos jogadores. Eu me pergunto: o que
será que eles querem? Eles eu não sei, mas sei o que devo querer, que é tudo
aquilo que está dentro de minhas possibilidades. Vivendo desta forma, nossa
mente não será um ringue de batalhas entre a esperança e o fantasma.
Afinal, nossa mente merece
lutas mais justas e com maiores chances de que a vitória seja a vicissitude. Conhece-se
um homem pelas escolhas que ele faz. Escolher confiar vitórias e alegrias em mãos
alheias é confiar nos galhos que pousamos. Escolher situações em que a vitória
e a alegria dependem de nós é confiar na força de nossas asas. Você confia no
galho ou na força de suas asas?