sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Saiu na imprensa

Site SEMCAD
08/10/09
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Pesquisa revela falhas em preenchimentos de prontuários

Problema pode diminuir padrão do atendimento, de acordo com autores. Especialista afirma que médicos preenchem relatório com cada vez menos informações, e que precarização das relações de trabalho pode ter relação com fenômeno

De acordo com pesquisa publicada na Revista Brasileira de Medicina, em apuração, foram encontradas falhas no preenchimento de prontuários em uma unidade de urgência oftalmológica de serviço universitário, que para os autores “podem causar problemas para o hospital e para o próprio médico, por falta de ressarcimento do serviço prestado, por diminuição do padrão de qualidade de atendimento, pela impossibilidade de defesa em casos de litígio de mau prática e por deficiências no ensino e pesquisa”. O trabalho foi realizado por Regina de S. Carvalho, doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Pedagoga especializada em reabilitação para Deficientes Visuais pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FMUSP), e colegas, e foi veiculado na edição de julho de 2009 do periódico.

Conforme explicam os autores, para apuração de dados, foi realizada “uma pesquisa transversal analítica em amostra não probabilística”, onde foram analisados “os preenchimentos de prontuários dos pacientes atendidos no Pronto-Socorro (PS) de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), durante uma semana”. “Foram analisados 584 prontuários médicos dos 589 pacientes que procuraram o PS de Oftalmologia na semana”, acrescentam eles. Os pesquisadores revelam que, desses, “57 (9,8%) não constavam o destino do paciente após exame 16 (2,7%) não tinham o nome do médico que realizou o atendimento e 15 (2,6%) não constavam o CRM do médico que fez o atendimento. Em relação ao diagnóstico, para 37 pacientes (6,3%) constavam somente o CID para 6,0% o diagnóstico estava ilegível. Para 33,4% não houve registro de anamnese, inclusive em casos de trauma”.

Para Paulo Sá, professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis, “O fato é que há muito tempo os profissionais médicos vêm preenchendo o prontuário de forma cada vez mais reduzida de informações”. De acordo com ele, “antigamente, o médico possuía uma vida menos atribulada, e o volume de pacientes a serem atendidos por vez era menor, assim, o tempo para se colher uma boa história e registrar os achados era maior”.

Na opinião de Paulo, “a questão não se resume apenas ao tempo, mas a outros elementos coadjuvantes e igualmente importantes. Tendo em vista o avanço da especialização, o conhecimento ficou fragmentado”. Ele afirma que “os especialistas e os superespecialistas passaram a se ater somente ao problema específico do órgão afetado, registrando o estritamente necessário para justificar o diagnóstico e se proteger de aspectos legais e jurídicos”. Ele argumenta que “essa postura gerou um vício de abordagem. que encontrou ressonância na redução do tempo disponível do profissional. Pouco tempo e pouco registro específico geraram uma equação interessante para o profissional”.

Para o médico, deve-se “apimentar um pouco mais a discussão”, levando em consideração “outro elemento importante neste processo”, que é “o desenvolvimento da tecnologia médica em termos de equipamentos e medicamentos. Se agora eu possuo uma tecnologia que me permite realizar diagnóstico genético de tumores do tamanho da cabeça de um alfinete, por que eu teria que perder horas examinando alguém? Não é mais rápido, certeiro e eficiente pedir logo um exame? Se o exame é que vai estabelecer o diagnóstico, então eu nem preciso escrever no prontuário, apenas anexo a cópia do resultado do exame. Descendo mais fundo, percebemos que a precarização das relações de trabalho do profissional médico acabou gerando uma ‘mercantilização’ da medicina, o que pressionou o processo de trabalho do profissional em direção à alienação. Um profissional alienado, condicionado pela tecnologia e fracionado pelo ensino médico resultou no que estamos assistindo hoje”.

O professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis argumenta que questão do preenchimento do prontuário é algo que afeta “qualquer setor ou unidade de atenção à saúde”. “Esse processo é agravado em unidades de urgência e emergência porque, nesse caso, o tempo é muito curto, e a pressão por atendimento é muito grande”, diz ele, que acrescenta: “além de ter de dar conta de um volume cada vez maior de atendimentos, o profissional se depara com questões de ordem social, que estão muito além do seu potencial resolutivo no campo da emergência”, o que para ele, retarda o ritmo de seu trabalho.

“Para finalizar, mas não para encerrar a discussão, pois aqui apenas apresentei alguns argumentos mais evidentes, eu diria que o médico é resumo de uma sociedade individualista, especializada e nada solidária. Portanto, não podemos esperar dele milagres. Ele se comporta de acordo com o modo segundo o qual a sociedade o educou. Se o médico é egoísta, é porque as bases da sociedade que o educou também são. Não se muda apenas um lado da moeda, o processo é sistêmico. As soluções não podem se reduzir às ações fiscalizatórias e punitivas, pois não estas não conseguirão enfrentar as bases do problema”, conclui Paulo.