Virgínia
Ferreira
Psicanalista e
professora da Faculdade Arthur Sá Earp Neto – FMP/Fase
As
famílias brasileiras atravessam um momento delicado e de muita fragilidade que
reflete os valores que regem a época em que vivemos, tais como: consumismo,
avanço tecnológico desmedido, individualismo e descartabilidade. A sociedade
brasileira gira em torno do dinheiro e de tudo aquilo que o dinheiro pode
comprar. Para tanto, as pessoas precisam trabalhar mais e, trabalhando, se
acham merecedoras de consumir mais. E, quanto mais trabalham, mais consomem e
menos têm tempo para elas mesmas, para a família, os amigos etc.
Via
de regra, os pais precisam trabalhar mais, para ter condições de consumir:
celulares, carros, roupas, escolas particulares, tablets, planos de saúde,
novas tecnologias, dentre outros. Trabalhando mais, necessariamente, dispõem de
pouco tempo para seus filhos. Tendo menos tempo, se sentem culpados, e tentam
substituir a ausência por presentes. Além do fato de que o pouco tempo que têm
com seus filhos é de pouca qualidade, pois estão cansados. Desta forma, as
crianças passam a maior parte do tempo fazendo o que querem, a hora que querem.
Educar
é dar amor e dar limites. Educar não é importante, é tudo. As crianças de hoje
não têm nem amor, nem limites. Os pais precisam entender que, para a criança, o
que importa não é a quantidade de tempo que eles dedicam aos filhos, mas a
qualidade desse tempo. Afeto é afeto. Não se gosta mais daqueles que estão
perto e menos daqueles que passam uma boa parte do tempo longe. Gostamos de
alguém pelo tratamento, atenção e carinho que esse alguém nos dispensa. Não se
ensina ninguém a dar ou receber afeto. O outro aprende, naturalmente, ao
receber.
Há
vários problemas decorrentes da falta de interação afetiva e respeitosa entre
membros de uma mesma família. Destaco aqui o grande aumento de gravidez na
adolescência. Meninas de 14, 15, 16 anos estão engravidando. Essas meninas não
têm a menor noção do que isso representa na vida presente e futura delas. Nasce
uma criança que, num primeiro momento, andará nos braços da jovem mãe como uma
boneca e, mais tarde, quando cansa de brincar com a boneca,
entrega seus cuidados ao familiar mais próximo. Ou seja, será criada, se
com sorte, pelos avós. Se não, pela vida. Vendendo balas e doces em sinais de
trânsito, trabalhando para traficantes, se prostituindo...
Cabe
ressaltar que, nesses casos, a responsabilidade é inteiramente dos pais que,
definitivamente, não educaram suas filhas. Isso se torna uma bola de neve. Os
pais não educam seus filhos, os filhos não educarão os seus e assim por
diante.
Consequentemente,
a maior parte dos problemas gira em torno de uma questão: sentimento de
solidão. As pessoas hoje se sentem muito sós. Está cada uma encerrada em sua
própria tribo, na rede social, na internet. Com o avanço tecnológico, as
pessoas substituíram a presença física do outro, para estar com o outro,
através da tecnologia. Isso, a princípio, dava conta. De um tempo para cá, o
pertencimento a essas tribos já não mais dá conta.
E
elas não percebem isso. Simplesmente, adoecem. Nunca se teve antes, na história
da humanidade, tanta depressão, pânico, fobias, crises de ansiedade e afins.
Como consequência, nunca se consumiu tanto drogas lícitas (psicofármacos e
álcool) como drogas ilícitas (cocaína e crack), na tentativa de combater esses
transtornos e afastar o sentimento de solidão.
O
individualismo dos membros das famílias brasileiras chegou a tal ponto que, por
exemplo, a mãe está em seu quarto e a filha em outro. Elas se comunicam,
estando na mesma casa, por WhatsApp.
Pais
e filhos não se sentam mais à mesa para fazer as refeições, conversar, brincar.
Cada um faz sua refeição em cômodos diferentes, atentos às suas tribos nas
redes sociais.
A
solução possível é uma reorganização das relações familiares, na qual pais e
filhos dialoguem, façam refeições juntos, se divirtam juntos. Enfim, resgatem o
sentimento de família, que é a base de uma sociedade saudável e de pessoas
bem-sucedidas existencialmente.