O Brasil tem se destacado perante os demais
países do globo no que diz respeito à construção da chamada Economia Verde, que
inclui a reciclagem, a utilização de energia renovável e a geração de empregos
nessa área. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),
a indústria de reciclagem brasileira gera um retorno de cerca de dois bilhões
de dólares, por ano, ao mesmo tempo em que reduz as emissões de gases em 10
milhões de toneladas. Ainda de acordo
com o relatório, Brasil, Estados Unidos e China, empregam 12 milhões de pessoas
no ramo, o que configura a reciclagem como uma área extremamente rentável.
Em Petrópolis, o programa Coleta Seletiva Porta
a Porta, da companhia de lixo da cidade (Comdep), recolheu, em outubro, 95
toneladas de material reciclável. Contudo, o serviço, que é realizado
semanalmente, atende somente a cinco bairros. Atentas à realidade de outras
localidades do município, carentes da coleta regular do lixo, alunas do curso de
Medicina da FMP/Fase resolveram se mobilizar para levar a coleta seletiva ao
bairro Estrada da Saudade e redondezas, local que costumam frequentar devido ao
estágio realizado no Posto de Saúde da Família que atende à região.
Após reuniões com representantes da companhia
de limpeza da cidade e a apresentação de um abaixo-assinado, realizado em sala
de aula, as alunas conseguiram, em outubro, que a coleta seletiva fosse
introduzida no bairro. “Quando convivemos nesse meio, juntamos os pequenos
detalhes e percebemos os problemas. Só pelo fato de os moradores verem a ação
se sentem melhor. Se eu me especializar em Saúde da Família, com certeza essa
experiência vai contribuir bastante na minha vida profissional, pois vou saber
quais são os problemas enfrentados por eles”, comenta Keila Rezende, aluna do
curso de Medicina da FMP.
Nathália Targa conta que a iniciativa surgiu
através de uma disciplina ministrada pelo médico Paulo Sá, intitulada Programa
Curricular Saúde e Sociedade, pela qual os alunos do 1º ano de Medicina
visitaram uma cooperativa de materiais recicláveis. Na ocasião, o professor
sugeriu que os jovens criassem um projeto de promoção à saúde para aquela
localidade. “Nos sentíamos, no início, como se fôssemos a solução para todos os
problemas deles, mas não éramos. Eu era meio descrente porque éramos do 1º ano
e os outros alunos achavam utopia demais o que queríamos fazer. Agora que veio
a resposta, penso que é uma coisa que pode dar certo”, analisa Nathália.
A iniciativa deu tão certo que as alunas desenvolveram
um documentário sobre a coleta do lixo. O curta foi exibido durante a Semana
Nacional de Ciência e Tecnologia, na sede da Fiocruz, em Petrópolis. “O
envolvimento com a comunidade e a proposta de melhorar sua qualidade de vida
fizeram com que nos sensibilizássemos mais com relação à problemática do lixo.
Percebendo o benefício da reciclagem, tanto para o meio ambiente quanto para as
famílias que vivem disso, resolvi levar a ideia para a minha vida também. No
supermercado, por exemplo, levo a bolsa retornável e evito comprar produtos com
material não reciclável. São medidas que podem influenciar até o próprio
estabelecimento”, conclui a aluna Marina Garani.
Para o professor Paulo Sá, "a
participação de estudantes de Medicina em ações de promoção de saúde que
estejam voltadas para a melhoria das condições de vida da população,
especialmente de comunidades desfavorecidas, é crucial para a sua formação mais
completa, como profissional do cuidado. O mundo necessita mais do que nunca de
profissionais engajados e sensíveis às condições de vida que implicam direta ou
indiretamente no adoecimento da população", conclui o médico.
A aluna Lívia Azevedo, que também participou
do projeto de coleta seletiva, comenta que a experiência influenciará em sua profissão.
“O que mais importou foi conhecer a realidade deles, que é totalmente diferente
da nossa, e se colocar no lugar deles e perceber todos os problemas que o lixo
traz se não for coletado e selecionado. Como futura médica, procuramos o que
afetasse a saúde deles e passamos a nos preocupar com seu bem estar”, diz Lívia
Azevedo.
Segundo estimativa do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), apenas 18% dos municípios brasileiros realizam a
coleta seletiva de seus resíduos, contabilizando uma perda de oito bilhões de
reais, por ano, para o país. Em Petrópolis, o material reciclável coletado
é encaminhado para os Centros de Inclusão Social (cooperativas), o que permite
o reaproveitamento de materiais que seriam destinados ao aterro sanitário. Como
é o caso do
Centro de Separação e Valorização de Recicláveis - Cooperativa D’Esperança, localizado
no bairro Cascatinha.
Ao todo, 28 funcionários trabalham no centro
de recicláveis. Lá garantem uma renda mensal inferior a um salário mínimo,
conforme produção. A Comdep fornece o café da manhã e o almoço é feito pelos
próprios cooperativados, com o custo de R$ 1,40 o prato. O local se mantém com
a doação de materiais recicláveis e da entrega de parte do material coletado
pela Comdep. Segundo o diretor administrativo da cooperativa, Jorge José Gomes
da Rocha, o Duda, a maior parte do maquinário utilizado, como a balança, a
prensa, o carrinho e o elevador, são oriundos de empréstimo por meio de
comodato.
Ele acrescenta que a cooperativa carece de
uma esteira, para agilizar o processo de seleção do material, e de um caminhão,
para recolhimento dos resíduos em outras localidades. De acordo com o contador,
o material reciclável, como papel, vidro e plástico, corresponde a 60% da
arrecadação da cooperativa, que também aceita papelão e metais (ferro,
alumínio, entre outros). “As pessoas precisam ter consciência de que a
separação correta do material vai trazer benefício para as famílias que
trabalham com isso, pois também se trata de um trabalho de inclusão social.
Sempre pedimos para não misturarem o material orgânico com o material
reciclável, senão, para nós da cooperativa, vira puro lixo”, explica Duda.
Apesar da montanha de resíduo que se encontra
ao fundo do galpão de 900 m2, cedido pela Comdep, não é fácil conseguir um bom
valor por ele. Para se ter uma ideia, 150 kg de papel equivalem a 15 reais e 30
kg de garrafas PET correspondem a 40 reais. Duda ainda revela que a cooperativa
recebe 40 toneladas de resíduos por mês, contudo 15% de todo esse material é impróprio
para reciclagem. “A questão ambiental virou moda, mas falta compromisso. O
material que precisa ser reciclado é o homem, porque ele é o gerador de todo o
material muitas vezes consumido sem responsabilidade”, analisa.
Apesar de já estar aposentado, José Rodrigues
da Silva trabalha na cooperativa há sete anos. “Não consigo ficar em casa
parado muito tempo. Gosto de trabalhar aqui porque também ajuda no orçamento”,
afirma o idoso, com seus 83 anos. O calor e o chorume, presentes no galpão, também
não desanimam Janete Amorim dos Santos, que conseguiu uma vaga no centro de
recicláveis após ficar desempregada. “Eu fiquei sem trabalho durante três meses
e a cooperativa tem ajudado muito. Agradeço muito a Deus por isso. Meu falecido
esposo catava latinha de madrugada e foi atropelado. Como eu também costumava
ajudar ele, não foi problema nenhum vir trabalhar aqui”, garante Janete, cuja
filha está grávida aos 18 anos.
Atendendo a um de seus princípios, A FMP/Fase
implantou, em julho de 2012, a campanha FASE-FMP RECICLA. Desde então, a
instituição separa todo o papel que não será mais reaproveitado para doar à Cooperativa
D’Esperança. Até outubro, foram doados 119,2 kg
de papel, além de 18 kg de livros e 5 kg de plástico. A instituição ainda
pretende ampliar a coleta para demais materiais, como o plástico, metais,
vidros e até mesmo lâmpadas, o que já vem sendo feito em parceria com a Comdep.
Outra ideia é passar a receber o material reciclável da própria comunidade
petropolitana, um projeto que está em fase de conclusão.
José Rodrigues
da Silva
Janete Amorim dos Santos
Jorge José Gomes
da Rocha (Duda)
Da esquerda para a direita: as alunas Keyla Rezende, Nathália Targa,
Lívia Azevedo e Marina Garani.