Virgínia Ferreira, psicanalista e professora da FMP/Fase
Nesses dias difíceis para o Brasil e o mundo, é bom ver crescer na internet movimentos que reforçam a gratidão. Ela é a característica ou particularidade de quem é grato ou, ainda, ação de reconhecer a alguém por uma ação ou benefício recebido. Porém, só é verdadeiramente agradecido, quem pensa no favor que recebeu e tem consciência da liberalidade do benfeitor.
Nesses dias difíceis para o Brasil e o mundo, é bom ver crescer na internet movimentos que reforçam a gratidão. Ela é a característica ou particularidade de quem é grato ou, ainda, ação de reconhecer a alguém por uma ação ou benefício recebido. Porém, só é verdadeiramente agradecido, quem pensa no favor que recebeu e tem consciência da liberalidade do benfeitor.
Em São Tomás de Aquino, a gratidão tem
três níveis: primeiro reconhecer o benefício recebido; segundo louvar e dar
graças e, terceiro, retribuir. Nas religiões em geral, a gratidão é
exercida nos dois primeiros níveis, isso porque a Deus não se agradece, se
louva, e não se tem como retribuir.
Na sociedade contemporânea, a gratidão
é utilizada apenas no primeiro nível: reconhecer o benefício recebido, mas não
necessariamente ligado à consciência da liberalidade do benfeitor. Isso quer
dizer que, muitas vezes, se recebe um favor e se pensa que o benfeitor o fez
por obrigação e não por livre e espontânea vontade.
No budismo, um dos exercícios mais profundos é a “prática de gratidão”, é a
prática do agradecimento. Deve-se agradecer a todos e a tudo, todos os dias,
365 dias por ano, isso porque até as situações difíceis têm um lado produtivo a
ser agradecido.
Desta forma, para o budismo,
inicialmente, se agradece sem ao menos saber o motivo da gratidão, mas
simplesmente para cumprir a prática do agradecer todas as pessoas e todas as
situações. Se agradece forçado e, quanto mais se exercita, menos forçado o
agradecimento acontece. Quanto menos forçado ele acontece, mais a pessoa se
interessa em achar a razão para estar agradecendo.
Por fim, a pessoa é capaz de perceber e
valorizar o lado interessante e benéfico de toda e qualquer situação ou pessoa.
A mudança pode vir para quem até então valorizava apenas as situações difíceis,
aquilo que perdeu ou que faltava. Por exemplo, se ela está com sede e alguém
oferece a ela um copo d’água, perceberá o quanto falta de água no copo e não o
líquido que há nele. Se não for o suficiente para matar sua sede, irá pelo
menos minimizá-la.
A prática da gratidão passa a ser uma nova postura existencial, uma forma de se posicionar diante da vida, não desconsiderando a face difícil ou árida de qualquer situação, mas também lançando luz sobre a face produtiva. Todo e qualquer acontecimento, situação ou pessoa é como uma moeda: tem cara e coroa. Isso quer dizer que existem dois lados para tudo. Assim é a vida. O exercício da gratidão nos leva não à alienação diante dos fatos e pessoas, mas a enxergar e a valorizar o lado bom que tudo tem. A prática faz parte da abertura do “coração de compaixão”, no budismo. Entretanto, não se deve confundir isso com ter uma postura servil ou ser capacho e deixar o outro impune.
Praticar a gratidão leva à
solidariedade; a solidariedade à sensibilidade; a sensibilidade à paciência; e
o sofrimento compartilhado à reconstrução. Essa é a importância da
gratidão.
Se hoje, na internet, #gratidão se
tornou febre nas redes sociais por convicção ou por moda, o importante é que a
prática da gratidão tenha tido seu início. Quem sabe é ou será isso o início da
reconstrução de uma sociedade mais humana, de uma sociedade melhor.
De acordo com o filósofo alemão
Kant, “se o sujeito faz o bem por convicção ou por dever, o importante é
que ele fez, afinal, qual é a diferença para aquele que recebeu o bem?”.
Nenhuma. O sujeito em sua tenra idade não entende o que seja moral. Simplesmente
obedece às leis impostas pela família e pela sociedade por medo. Com o
desenvolvimento e maturidade, ele passa a realizar ações morais por convicção e
não mais por medo.
Essa onda #gratidão nas
redes sociais é um fenômeno benéfico, por pelo menos três motivos: primeiro,
porque as pessoas que participam dela estão, de forma consciente ou não,
exercitando a prática da gratidão; segundo, porque estão levando outras pessoas
a praticar o agradecimento; terceiro, porque todos os fenômenos nas redes
sociais têm uma abrangência muito grande e se espalham com a velocidade de um
trem bala.
Desta forma, se a prática da gratidão leva a uma sociedade mais humana,
se #gratidão está contagiando por minuto centenas de pessoas e
as tornando melhor, há uma chance iminente da reconstrução de um mundo
solidário. Não se pode falar numa identidade virtual pelo fenômeno hashtag gratidão
ou por qualquer outro fenômeno. Podemos, sim, dizer que o fenômeno está mudando
o posicionamento das pessoas frente aos acontecimentos individuais ou
coletivos. Podemos dizer que #gratidão está inaugurando um
novo modo de vida.