por Reinaldo José Lopes, no G1 22/10/2008

No trabalho, coordenado por Joe Z. Tsien, da Faculdade Médica da Geórgia (EUA), e publicado na revista científica "Neuron", os pesquisadores desenvolveram uma forma complexa e inovadora de manipular a proteína alfa-CaMKII. Trata-se de uma peça essencial da formação das memórias no cérebro. "As moléculas de CaMKII são uma forma química de memória", explica o neurobiólogo Martín Pablo Cammarota, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Um dos problemas enfrentados na passagem de mensagens entre os neurônios (células nervosas) é como lidar com a passagem de íons (átomos eletricamente carregados) do elemento químico cálcio. Ao mesmo tempo em que é necessário para a comunicação entre neurônios, o cálcio também é tóxico para a célula. Resolver o dilema é um dos papéis da alfa-CaMKII (cuja sigla corresponde ao complicado nome "quinase II dependente de cálcio calmodulina"). "Os aumentos de cálcio são sempre transientes [ou seja, passageiros], algo muito rápido e localizado", diz Cammarota. "Então, é preciso algum mecanismo para que a célula ´lembre´ que esse aumento ocorreu."
O cérebro faz isso por meio de uma modificação química envolvendo a alfa-CaMKII - modificação que pode ser "reencenada" mesmo depois do evento que ocasionou o aumento de cálcio original. Com isso, surge uma base química para a memória - base que foi manipulada por Tsien e seus colegas nos EUA e na China.
Nascidos para esquecer
O problema de mexer com a alfa-CaMKII, porém, é que a proteí
na faz parte de uma família de moléculas muito parecidas com ela - tão semelhantes, de fato, que mexer em uma equivaleria a mexer em todas. O que os pesquisadores fizeram, portanto, foi criar camundongos transgênicos que carregavam uma versão especialmente projetada da alfa-CaMKII, feita para interagir apenas com um inibidor químico (uma espécie de antídoto da proteína) desenhado por eles.

"É uma brincadeira muito interessante o que eles fizeram, e essa é a grande novidade desse trabalho. O problema é saber como isso se reflete no modelo. É como se eu dissesse que quero saber como é namorar uma mulher bonita, mas, para isso, vou namorar uma mulher feia", compara o pesquisador da PUC-RS.
De qualquer maneira, os camundongos transgênicos mostraram uma produção 36% do que o normal da alfa-CaMKII modificada, e uma atividade 200% da proteína. O resultado, porém, foi que os bichos, em condições normais, eram incapazes de formar boas lembranças - a menos que os pesquisadores injetassem neles o inibidor da alfa-CaMKII. Com o antídoto nas veias, os bichos conseguiam aprender a temer um choquinho nas patas, por exemplo. Mas, quando eles não mais recebiam o inibidor e eram colocados num contexto que normalmente faria com que se lembrassem do trauma, puf! - a memória desaparecia.
O efeito provavelmente é específico para a memória criada com a ajuda do antídoto porque, quando os pesquisadores tentavam recuperá-la uma segunda vez, agora injetando o inibidor novamente nos roedores, eles continuavam desmemoriados.
Natural?
Cammarota elogia o virtuosismo técnico dos criadores dos camundongos desmemoriados, mas explica que há limitações sérias nos resultados. "É claro que isso sugere a possibilidade de apagar seletivamente uma memória, mas é importante lembrar que eles fizeram isso partindo de um sistema anormal, em animais que já tinham dificuldade de aprendizado e memória. Por isso, se você me perguntar se estamos mais perto de fazer isso em humanos graças a esse artigo, eu diria que não."
Tsien e companhia se dizem cientes das dificuldades. "Ninguém deve esperar uma pílula que faça a mesma coisa em pessoas tão logo. Estamos apenas no sopé de uma montanha muito alta", disse ele em comunicado oficial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Departamento de Comunicação Faculdade Arthur Sá Earp Neto/Faculdade de Medicina de Petrópolis